Mais uma Renatada, igual às outras, mas totalmente diferente
Olá a todos. Tudo bom ? Espero que sim.
Encontro-me diante de um momento marcante e sublime dentro da história desse humilde blog.
Nesse post se inicia a primeira troca de idéias que extrapola a condição do diálogo, e com uma característica muito interessante, que me deixa muito alegre. Explico:
O último post, "Pequena e Simplória Ode à Música", logo abaixo desse, rendeu dois comentários de grande pertinência, ambos de autoria de mais dois Renatos, o que por sua vez nos coloca diante de mais duas potenciais Renatadas, às quais meu irmão, meu Pai e eu mesmo chamamos de "Clássicas", ou seja a obra do pensamento de um Renato sobre um determinado assunto sobre o qual ele não pode ser considerado, exatamente, um grande especialista.
O primeiro texto é de Renato Sapienza, conhecido entre os amigos como Sapão, Desenvolvedor e Analista de sistemas de Tecnologia da Informação, além de Guitarrista de elevado talento e capacidade, que alguns dos leitores apelidaram de "Sapãomsteen" em alusão ao virtuose sueco das seis cordas elétricas, Yngwie J. Malmsteen. Abaixo reproduzo-o na íntegra:
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Grande Faria,
meu primeiro post no seu blog. Você sabe que não sou muito de escrever, mas tratando-se de um tema o qual aprecio tanto, resolvi deixar o meu comentário.
Realmente a música é a forma de arte mais simples e mais popular. Acredito que se deva ao fato de, como você citou, ser dinâmica possibilitando a sua reconstrução a cada execução. Claramente os covers provam isso, afinal não se vêem por aí coisas como: "Hoje show com Leonardo Da Vinci COVER!!!".
Além disso, a música é uma forma de arte que também pode ser apreciada de inúmeras formas, por exemplo, quando estamos relaxando, trabalhando, dirigindo, etc...Isso facilita muito a sua assimilação e sua popularização, sem contar o fato de música poder ser considerada desde o batuque de uma tribo africana até um concerto de Bach.
Concluindo o comentário, na minha humilde opinião, a música é a Arte Universal.
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E vejam vocês, como se não bastasse esse blog receber essa bela e substancial contribuição do meu caríssimo amigo Sapo, como aliás tem sido comum em alguns dos comentários deixados aos posts aqui colocados, comentários esses que geraram novos posts, ainda tive a honra e o orgulho de saber que outro grande amigo meu, Renato Ohira, conhecido por mim como Chefe e pelos amigos do CoralUSP como "Mestre Ohira", estudante de Ciências Sociais lá na USP e Tenor, membro do Coral do Estado e membro, atualmente honorário, do Grupo Sandra Espiresz do CoralUSP, leu meu texto e se interessou em escrever sobre o entendimento que tem acerca do assunto discutido nele.
Pôxa, isso por si só, como disse, já me honraria muito.
Agora, imaginem vocês a minha tão positiva surpresa ao receber desse meu caro amigo um longo e excelente texto de três páginas em que ele coloca sua posição acerca do assunto, apresentando uma argumentação rica e consistente que acrescenta um universo imenso e diversificado de conteúdo e idéias aos textos que eu e meu amigo Renato Sapienza escrevemos.
Apesar do texto ser longo, como ele está muito bem escrito, acredito que será fácil e rápido realizar sua leitura. Além disso, seu conteúdo, com absoluta certeza, torna mais que compensador enfrentar o desafio de lê-lo até o fim. Abaixo reproduzo-o na íntegra:
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Existe forma de Arte mais importante?
Ao ler opiniões sobre o poder da Música como “a melhor coisa que o ser humano pode fazer durante a sua vida”, vários questionamentos surgiram. Não teriam todas as expressões artísticas equivalente potencial em relação às aspirações humanas de ultrapassar criativamente o cotidiano, transmutando o comum por algum aspecto simbólico particular, independentemente da forma? Uma apresentação de uma banda de rock seria mais emocionante que um filme bem realizado? Ou uma bela exposição de quadros teria menos “força” que uma peça de teatro? É possível comparar formas de Arte?
Primeiramente, não se pode ignorar o contexto histórico que circunda todo e qualquer elemento a ser comparado. Não há grupamento humano que não se expresse artisticamente. O grau de sofisticação pode variar muito (com incontáveis exemplos), normalmente estando associado à maior ou menor complexidade da estrutura social, bem como o status econômico alcançado por determinada sociedade. Grandes impérios tendem ter produção artística mais vistosa e abundante que grupos nômades coletores, embora todos exercitem suas capacidades criativas com os recursos disponíveis.
Legado do pensamento grego clássico, a divisão das Artes entre artes nobres (ou liberais) e artes mecânicas, baseada primariamente no esforço físico requerido (ou não), parece ser uma das primeiras análises a justapor elementos aparentemente díspares como elegias e esculturas. A oposição corpo/espírito é posta em evidência, uma vez que se consideravam os trabalhos manuais inferiores à reflexão intelectual (exemplos: Aritmética, Música, Astronomia, Retórica, entre outras).
Indo contra tal tradição, Leonardo da Vinci, insuperável mestre das chamadas artes mecânicas, questiona tal hierarquia, ressaltando a superioridade da Pintura sobre a Música e a Literatura em vários aspectos, com argumentos que, a nossos olhos, soam datados. (Ok, Da Vinci viveu no entreato dos séculos XV e XVI, e nós estamos no XXI, isso é injusto... Mas...)
Segundo Da Vinci, nem os músicos, tampouco os poetas, teriam a capacidade de exibir o Todo da harmonia das proporções advindas da Natureza, retratadas pelo pintor. O poeta só poderia descrever linearmente, item por item, os elementos de uma visão, enquanto ao músico, sem ao menos essa capacidade descritiva, restaria o consolo de ser capaz de dispor de várias vozes para dizer diferentes coisas simultaneamente, embora ainda superado pela completude do trabalho do pintor.
Outro argumento, esse o mais anacrônico para o ser humano contemporâneo, diz respeito à duração: no tempo de Da Vinci, a Música era mortal e um desperdício, pois deixava de existir no imediato segundo após o corte do acorde final pelos executantes e sua repetição a tornaria “odiosa e vil”, enquanto a Pintura resistiria aos anos, sendo cada tela peça única, nunca uma repetição de um momento. Bem...
Leonardo da Vinci não chegou a conhecer uma forma artística que, no século XIX, chegou ao seu ápice com o conceito de “Obra de Arte Total” (Gesamtkunstwerk): a ópera, gênero que englobaria a Música, a Poesia e o Drama, a Pintura, a Arquitetura e a Dança. “Dafne”, considerada a primeira ópera da qual se tem registro, só foi produzida em 1597, quase oitenta anos após a morte do pintor. Tampouco conheceu as primeiras formas de registro sonoro, na forma de cilindros de cera e, mais tarde, de discos, meios físicos que imortalizariam performances ao longo dos anos. E nem sonhou com o Cinema, só para mencionar a Arte das imagens em movimento, acrescida de Música e som.
Vê-se, pois, que a análise valorativa e teórica da Arte é uma discussão delicada, bastante relativa e questionável. A questão nevrálgica, que não foi exposta aqui, talvez seja a da emoção-comoção despertada pelas formas artísticas, quer individualmente, quer coletivamente; para um, para dezenas, milhares ou milhões.
As sensações provocadas por atividades artísticas são múltiplas, afetam o sentir de qualquer indivíduo quando se está na platéia tanto quando se está no palco, em níveis diferenciados de esforço. Atores/atrizes, cantores/cantoras, orquestras/bandas, todos têm a experiência de momentos de “conexão” pura com uma determinada platéia, que interage, reage, incentiva, contribui. Há também desempenhos menos memoráveis, quando se enfrenta um público frio, “sem talento”, ou mesmo escasso. A expectativa inconsciente da “recompensa” de sua arte satisfazer e trazer alegria a outros seres humanos é sempre uma incógnita! A “magia acontecer” independe das vontades individuais.
Contudo, tal sensação de bem-estar, de plenitude e realização, não seria a mesma que vive um atleta num momento igualmente “mágico”? Um gol classificador, um recorde mundial, uma conquista de título, todos esses acontecimentos não são igualmente capazes de emocionar, alegrar, fazer criar uma “fraternidade”, ainda que fugaz? Em que diferiria o choro por uma derrota do Tricolor paulista de uma cena carregada de emoção numa peça teatral?
Mesmo saindo do âmbito das “artes performáticas” (Música, Drama e Futebol...), a releitura de um romance preferido, com passagens já conhecidas, criaria a mesma “conexão” entre o autor e seu leitor. Um filme clássico, ao qual estariam ligadas recordações muito caras, igualmente criaria um estado emocional diferenciado, ainda que particular, ou menos vibrante. Varia o grau, o processo parece ser muito similar.
Estar apaixonado pode inspirar a criação de poemas, um conto pode dar origem a um roteiro de cinema, cenas de filmes tornam-se memoráveis por suas imagens, esculturas e pinturas podem inspirar um músico a interpretar mais intensamente uma obra, uma canção cria a identidade de uma personagem na teledramaturgia, dramas clássicos ensejariam criações de dança, jogadores de futebol podem ser encarados como “dançarinos dos 90 minutos”, com direito a personagem principal e “coro”... Tudo acaba se interligando, influenciando mutuamente a criação, provocando reações no público, percebidas pelo aplauso entusiasmado e assovios num show de rock, ou pelo grito tonitruante de uma torcida em êxtase: “É CAMPEÃO, É CAMPEÃO”!
Toda essa discussão nasceu de uma experiência de colegas músicos, que vivem a emoção da performance. Humildemente, compartilho dessa emoção, devoto ao palco um respeito quase religioso. Contudo, não acho justo colocar em padrão mais elevado “nossa” arte em detrimento das demais, que igualmente emocionam e expressam o melhor (e o pior, também) do ser humano. O deleite que posso ter ouvindo o último movimento da Nona de Beethoven é tão grande quanto o da vibração de cantar a própria, muda a situação e a adrenalina. Mas, citando os versos de Schiller, que fertilizaram a Música beethoveniana, cada artista acaba por abraçar e beijar o mundo quando expõe sua verdade!
“Seid umschlungen, Millionen! Diesen Kuss der ganzen Welt!”
(Eu vos abraço, ó milhões! Lanço um beijo ao mundo inteiro!)
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Enfim, é isso. Deixo para vocês, valentes amigos e amigas que até aqui chegaram, um material e uma condição dialética de diálogo que considero sumo dos mais saborosos para o exercício do pensamento reflexivo e ativo, pleno suscitador da crítica, encarada aqui no seu sentido filosófico de discussão de verdades e de abstração de representações com potencial gerador de conhecimento.
Um grande abraço, tudo de bom e felicidades a todos.
P.S.: É CAMPEÃO, É CAMPEÃO, É CAMPEÃO... Acho que nunca haverá aqui um post maior do que esse... hahahahahahaha ;-)


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